Ninféias

Claude Monet - Les Nuages

Não é nem o caso de querer ser super rycah. Mas eu queria sim poder passar uns dois, três meses, só dessa vez, flanando. Dormindo em hotel. Comendo bem. Ouvindo as pessoas falarem línguas estranhas sem me preocupar com o que está sendo dito, nem ali, nem longe, onde chamo casa. Esquecer o tempo em uma esplanada, bebericando xicrinhas minúsculas de café. Mergulhar em piscinas geladas e oceanos mornos. Passar um dia inteiro contemplando as Ninféias e expulsando todo doer em lágrimas e me deixando preencher por azuis, doçuras e esperança. Comprar tomates graúdos na feira e ficar toda uma noite vendo o caldeirão borbulhar um perfumado molho em uma cozinha emprestada de ancestrais alheios. Descobrir pimentas, milhos, legumes e frutas de texturas e cores que eu, nunca, nunquiha. Só isso por agora, uns dois, três meses, flanando. Pronto, joguei pro universo. Vai que.

Li o livro Lia, do Caetano Galindo. Ousado, interessante e com uma daquelas personagens de quem a gente sente saudades.

Vai chegar o dia em que esquecerei seu rosto, seu corpo, o prazer, a palavra, as madrugadas, os anseios, o conforto, esquecerei seus dedos, sua boca, sua temperatura, seu nome, seu sexo, seu timbre, seu time, seu toque, esquecerei o encontro, a alegria, o gosto, o gozo. Vai chegar. Esquecerei. Será, então, um pretérito perfeito.

Babyssauro

Nem sempre o que se pede é amor. Às vezes a gente quer só ser olhada com desejo, conversar de vez em quando sobre as miudezas do dia, trocar umas carícias e palavras mais tórridas, saber que se pode compartilhar o sentir das horas mais escuras e dividir a vontade de um encontro ou outro.

Bradando tal como o Babyssauro, mas mexendo um pouco na direção e sentido do discurso. Sou eu que preciso me amar. Ou, pelo menos, cuidar de mim com algum carinho. As pessoas falam que não é pra comer quando se está triste ou feliz ou preocupada ou ansiosa ou excitada ou sei lá o quê. Bom, eu cozinho pra mim mesma como gesto de afeto – e como sim, vou lá me fazer uma desfeita? Pode ser uma massa simples, feita com capricho, frita o bacon, escorre, na gordurinha coloca os pimentões coloridos, a cebola, o alho, uma colheradinha de molho de tomate pedaçudo, água do cozimento do macarrão, acerta sal, pimentinha, depois é só voltar o bacon, joga uma cebolinha e queijo.

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Eu perdi, senão o gosto pelas festas, o gosto pelas datas. Natal? Humrrum. Meu aniversário? trabalhando o dia todo. Aniversário de quem amo? esforço pra sair de mim mesma e enviar as palavras gentis que habitam o meu pensamento. Dia disso e daquilo? Vamos nos falando. Páscoa? Oi? Nunca fui muito de chocolates, mas curtia o peixe. Este ano, nem senti chegar. Hoje já é quinta, até tenho um bacalhau no congelador, mas cadê a alegria de preparar? Nem os vinhos na geladeira coloquei ainda.

Ainda sinto a alegria. Hoje mesmo passei boa meia hora rindo com um amigo em ligação telefônica e outras gargalhadas vieram no café com irmã. O corpo ainda sente prazer. A alma ainda anseia pela beleza. Eu, ainda. Mas tão menos. Não sei se deixei uma parte lá no gelado dele ou se aquele júbilo foi um oásis e a verdade é que fui me avariando de 2016 pra cá. Não sei se entendi errado e faço drama a noite inteira e não samba e amor e por isso não é sono, mas esta angústia, que me ocupa a manhã.

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Queijo e milho, pix e amor, você e não você

É impressionante a capacidade que você tem de me machucar. Umas vezes, sem fazer nada. Algumas delas, justamente por isso. Hoje doeu o corpo todo. Adoeci. Coloquei a culpa no calor. Uma moleza, nem quis cozinhar. Ainda bem que milho combina com queijo. Acabei de ver a série dos 3 corpos e devo dizer que esperava mais dos corpos em questão. Mas tenho elogios: fumantes. Eu percebi que gosto, sim, de livros e séries de ficção científica (tal como de fantasia) mas se – e apenas se – o gênero for um recurso pra tratar das coisas simples e fundamentais de ser e fazer-se humano. A discussão conceitual, por si só, me entedia um pouco. Se me fosse dada a oportunidade de viver tudo de novo faria algo diferente? Nem sei se ia querer voltar. Preguiçosa. No balanço geral da vida, queria ter sido mais presente pra os amigos. Urgências na caixinha de entradas e saídas. Preciso trocar a fechadura. Preciso de uma massagem. Marcar os médicos. De uma nova bolsa. E de alguns sonhos. Vários livros na cabeceira. Insetinhos morrendo na luminária de teto. Sinto falta do teu desejo. Das palavras fora de ordem. Do olhar com fome. Das tuas mãos indo tão fundo em mim mesmo com todos os quilômetros entre elas e minha pele arrepiada. Acordar cedo, banho frio, roupa que não dá trabalho de vestir, papéis, papéis, papéis, desmarcar a análise, papéis, papéis, reunião, não tenho nada para dizer, não quero falar, não quero pensar, não quero existir ali. Aqui. Não quero a morte, não quero a vida, aceito um drinque colorido. Em todas as salas de escrita, ensina-se: observem o ambiente. Eu não vejo, eu não lembro, eu não registro. Por isso só escrevo dando voltas ao redor do vazio. Queria ter coragem de colocar o pix para receber doações na newscoisa, mas o superego – tão adormecido pra tanta coisa, por toda a vida – me vigia ferozmente. Muito difícil conciliar a ideia de taqui meu pix com queria tanto que alguém me amasse por alguma coisa que eu escrevi. Café de cápsula é tão sem graça. Bebo litros, mesmo assim. E sigo atualizando o site dos correios e me estarrecendo. Como é mesmo, Caio Fernando? meu deus ah meu deus como você me dói vezenquando.

Reigna

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Pouco depois do dia 15 e o extrato já está vermelho sangue. Preto, o café. Vai meu Mengo. Comprei um romance de banca, mas disfarçado de ebook na amazon. Sete reais. Bem vindos à minha vida vazia de vida inteligente. Enrolo quadradinhos de melão em presunto chique. Eu falei do extrato hemorrágico? Preciso aprender a ler. A vida nem sempre é gentil, mas tem gente que é. Ganhei o mais lindo presente. Obrigada, moço, por esse querer bem. Venham daí, irmãos, em mim já é novembro. Meu corpo eu já entreguei a deus. Mas ele devolveu. Meu quarto, meu reino. Que nem aqueles personagens do Pequeno Príncipe em seus planetas miudinhos. Risíveis, todos nós. Dormi duas horas na tarde quente e sonhei alegrias: antigas, novas e umas inventadas. Livrinho de contos da Agatha, casos do Cold Case. Um sentimento burguês – como insiste Poirot – de que toda vida importa. Tento me convencer de que a minha vida também, é só arrumar outra forma de exercitá-la. Todas, todas, todas as vezes que troco palavras com você eu termino chorando. Troco? O termo não se aplica, eu entrego uma enciclopédia, você responde como quem conta caracteres o twitter antigo. Um sovina completo. Eu te desprezo. E te amo, acho (não estou acostumada).