Desaparecendo

Quando a morte se coloca assim no nosso caminho e, mais ainda, intransponível no caminho de quem amamos, não resta muito a dizer. A gente não se afoga, mas engole um bocado de água salgada.

De vez em quando eu coloco o meu na reta e reitero o quanto gosto d’O Pequeno Príncipe. Hoje eu estava pensando na situação da rosa. A rosa que se destacava, apesar de existir milhares delas. No livro, o que tornava uma Rosa especial é que ela era amada – e isto é uma inversão linda da lógica atual de que a gente tem que ser especial PARA ser amada.

Talvez seja hora de eu desparecer. E pela primeira vez tenho a impressão de que meu analista se preocupou.

Sinto saudades de ter, senão sonhos, pelo menos planos.

Um importante aprendizado: não é comigo. Se alguém não gosta do Vinícius, não é comigo, que gosto. Se alguém prefere Gal e não Bethania, não é comigo, que penso o inverso. Se alguém não curte praia, o mar, não é comigo, que marejo olhos só de pensar. “Prefiro destilados” – não é comigo. “Não gosto de futebol” – não é comigo. “Estou fora de cuscuz, panelada, peixe, pão com ovo” – não é comigo. A diferença do outro não me impede de ser. Então: não é comigo.

Eu não sei o quanto se pode ser só quando ainda há quem nos ame. Mas estou me esforçando pra descobrir.

Eu cansaria de você em dez dias. Se, claro, você tivesse me dado essa oportunidade.

Ah, então é assim que a gente se destrói?

Penso sempre naquela personagem da Nélida Piñon que ficou anos sozinha dentro de casa enquanto seu homem explorava o mundo e como, quando ele voltou, pra começar a conversa, ela conseguiu dizer as descobertas que fez de um jeito muito mais interessante do que ele conseguiu narrar as experiências que teve e foi ele que precisou, a seguir, reproduzir o que ela fez no dia a dia para acessar a plenitude. Pois bem, eu tenho estado em casa. E não consigo ter nada de bom pra dizer.

Minha cozinha segue sem cheiro nenhum.

Vou fazer 49 anos vivendo uma vida diferente da vida que eu escolheria viver. Não nas grandes decisões. Eu me espanto o quanto acertei nisso tudo aí. Diferente na miudeza. Por exemplo: eu sinto muita saudade de feira. O vai e vem de gentes e sacolas de plástico, a zoada dos feirantes anunciando os produtos, um caminho certinho entre frutas, verduras, legumes, queijos, peixes, carnes e lanches, o incrível frescor do verde avolumado na ponta das quitandas, pastel e caldo de cana, a barraca das flores, sinto falta do meu boteco a poucas passadas de casa, falta da bodega, da padaria, da vida vivida a pé.

Sim, preciso de tempo, dinheiro, organização mas preciso principalmente de disposição.

A gente pensa que vai dar tempo (a gente sou eu, sempre). Que o tempo é nosso. Meu. Não é. Eu nunca mais vou ouvir sua voz. Nem vou ouvir a alegria na voz da minha prima ao ouvir a sua voz. A morte é um silêncio.

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